Já ouviu falar de The Legend of Heroes? Esse nome altamente genérico (mas, sejamos sinceros, Final Fantasy e Dragon Quest também são títulos bem genéricos, a gente só está acostumado) é uma das maiores e mais longevas franquias de RPGs japoneses. A série começou em 1989, mas em 2004 foi lançado o primeiro jogo da subsérie Trails, que hoje conta com mais de dez jogos e uma história complexa, política e contínua, cheia de vilões malvados, civilizações e artefatos milenares e tudo que qualquer JRPG tem direito. Trails in The Sky foi o jogo que iniciou essa saga, e agora temos o remake dele. Quem ama Trails defende – com razão – com unhas e dentes os personagens, as reviravoltas e o sistema de batalha, mas quem nunca foi muito fã tinha um motivo pra reclamar: é uma série complicada de entrar hoje em dia, já que tem muitos jogo. Bem, agora com o remake do primeiro jogo acabaram as desculpas. Inclusive as minhas.
Gênero: JRPG
Lançamento: 19/09/2025
Plataformas: PC, PS5, Switch, Switch 2
Tem idioma PT-BR: Não
Desenvolvido por Nihon Falcom
Publicado por GungHo
Uma reintrodução a Liberl
Impossível falar desse jogo sem comparar com o original, então vamos tirar isso do caminho logo. Trails in The Sky 1st Chapter é um remake absolutamente bem sucedido em ser um remake. Com isso, quero dizer que o jogo mantém o que já era bom, mas melhora tudo que o original não podia fazer na época. O reino de Liberl, onde o jogo se passa, nunca foi tão bonito de explorar – o jogo roda bem, chegando a 120 FPS no PS5, mas a qualidade das texturas e geometrias vai te incomodar em alguns lugares se você for esse tipo de pessoa chatona. As músicas, rearranjadas, são maravilhosas, o tema de batalha sendo um grande destaque por ser um jazz big band safadíssimo, no bom sentido. O sistema de batalha está diferente, completamente rebalanceado, mas mantém o que tornava o original excelente (mais sobre isso daqui a pouco). Os personagens são super carismáticos, com atuações de voz incríveis feitas por um elenco estrelado. É, enfim, a versão definitiva do jogo.

Por isso, é o ponto de partida perfeito pra quem nunca entrou na franquia, ou pra quem molhou os pezinhos mas não foi tão fundo. Eu sou um desses: joguei o Trails in The Sky original, joguei um pouco da continuação, até tentei começar um pouco de Cold Steel, mas parei por lá – o tamanho gigantesco da franquia me intimidava. Agora eu entendo como os não-fãs de Kingdom Hearts se sentem. Mas com esse remake resolvi passar a fazer parte dessa festa, e depois de jogar essa excelente nova porta de entrada estou convicto de que vou jogar tudo eventualmente.
Esse jogo é também um excelente ponto de retorno pra quem já é fã da série. Conheço alguns aficionados pela franquia, e todos dizem que os jogos futuros trazem personagens, histórias e referências que vem desde esse início, então pra quem já sabe a história toda e curte muito esse mundo, deve ser muito legal poder ter essa experiência refeita com tanto carinho. Acompanhar novamente o início da vida de Bracer de Estelle e Joshua (os dois protagonistas irmãos – e que legal e diferente é jogar um RPG em que os dois protagonistas não são namoradinhos), ouvir de novo Joshua tocando sua gaita de boca pela primeira vez, ficar de novo de queixo caído com a reviravolta absurda e o gancho filho da mãe que tem no final desse jogo… Realmente, esse remake é excelente tanto pra fãs quanto pra novatos.
Uma questão de ritmo
Trails in The Sky é um RPG peculiar – tanto em sua versão original quanto nesse remake. O mapa de Liberl é pequeno e pouco variado, mas isso não é necessariamente algo ruim a longo prazo. Explico. Durante esse jogo, Estelle e Joshua exploram ambientes que incluem campos floridos, planícies gramadas, florestas… Mas você não vai ver biomas variados como desertos, cidades nevadas ou vulcões fumegantes. O mundo da franquia é muito mais vasto do que você conhece nesse jogo, e o objetivo aqui é introduzir o jogador, lentamente, a este novo mundo.
“Puxa, um JRPG de 80 horas que se passa em lugares com visuais sempre meio parecidos?” Pois é, e eu entendo que isso talvez não seja atrativo à primeira vista. Mas a magia de Trails in The Sky é que, assim como Estelle e Joshua, o jogador está em uma jornada para conhecer o mundo. Isso significa passar muito tempo em cada lugar, em cada cidade, em cada vila, resolvendo vários probleminhas banais por meio do sistema de side quests. Descrevendo assim parece igual ao que você já viu dezenas de vezes em outros jogos: vá no mural de avisos da cidade, leia que alguém tá com um problema com monstros, ou precisa de um item, ou não tá encontrando alguém, e vá lá ajudar.

É aí que esse jogo triunfa onde muitos falham. As histórias das side quests são legais e te fazem se importar cada vez mais com todos os personagens – dos mais importantes aos mais secundários e terciários. O ritmo do jogo é lento, cadenciado, e te dá tempo pra conhecer cada cantinho desse mundo que você, devagarinho, passa a amar. Isso é importante pra que, quando o jogo (e a franquia como um todo) puxar o tapete debaixo dos seus pés, você sinta de verdade esse impacto. Sabe quando, em Star Wars, o Império destrói Alderaan mas você meio que não se importa porque não conhece ninguém de lá? Esse jogo trabalha arduamente pra que aqui aconteça o contrário. Pra que você tenha medo do que os vilões podem acabar fazendo com os Perzel, uma família dona de uma fazenda que cria vacas e galinhas nas redondezas de Rolent.
Durante a jornada, o jogo é separado em capítulos, e em cada um deles o jogador encontra diferentes membros pra sua equipe. Por 90% do tempo seu grupo vai ter Estelle e Joshua (que nunca saem do time) e mais um ou dois personagens que entram no grupo durante aquele capítulo mas vão embora no final. Você vai ficar triste quando Olivier entrar em seu grupo com toda sua pompa e tiver que sair depois? Com certeza. Você vai ficar decepcionado ao se despedir de Scherazard e suas chicotadas? É claro. Mas todos os personagens são carismáticos e legais de usar em combate, e lá pro final o grupo todo se junta pra enfrentar os desafios do clímax do jogo.
Ainda é, sim, um jogo com batalha por turnos
Ah, as batalhas! Uma parte tão fundamental de qualquer RPG, e aqui elas são muito, muito legais. Assim como alguns jogos anteriores da franquia (e também semelhante a Metaphor ReFantazio) você tem a opção de batalhar em tempo real, de maneira limitada, ou entrar em combate por turnos. O combate em tempo real é simples, rápido, e tem um objetivo: deixar o inimigo atordoado pra que você entre na luta por turnos com vantagem. Se o oponente for fraco você pode atropelar ele por aqui mesmo, mas em batalhas equilibradas, o grosso vai acontecer no sistema de turnos.
Uma vez iniciada a batalha, cada personagem individual – aliados ou inimigos – tem seu turno, definido pelo seu atributo de velocidade. Em sua vez, cada personagem pode usar uma magia (que requer alguns turnos de carregamento), uma habilidade especial, um ataque normal, item, defesa, etc – tudo bem dentro dos padrões. O legal é que cada coisa tem um alcance e uma área de ação, e você pode se reposicionar no combate de acordo com seu atributo de movimento. Por exemplo: vai usar uma magia que ataca inimigos em linha? Show, então você pode andar pra lá e pra cá no combate pra se colocar em uma posição vantajosa e acertar mais inimigos. Habilidades que acertam todo o campo de batalha são muito raros, então posicionamento é algo que você precisa ter sempre em mente – tanto pra defesa quanto pro ataque.

A parte mais única do sistema de combate são os bônus que podem aparecer no seu turno. A linha do tempo de combate pode mostrar, por exemplo, um ponto de exclamação do lado de um personagem. Isso quer dizer que, quando chegar a vez dele, este personagem vai atacar dando dano crítico. Os bônus são vários – usar magia sem gastar recursos e sem ter que esperar, ou recuperar HP, ou receber mais recompensas no fim do combate… E várias habilidades podem roubar esses bônus. O sistema é por turnos mas é bem dinâmico, e você sempre precisa estar de olho em que efeitos especiais vão estar atrelados aos turnos do oponente, pra roubá-los se for necessário. Dá até pra ativar uma habilidade especial pra se adiantar, “cortar” a vez de todo mundo e atacar fora do seu turno, e dominar essa habilidade é essencial pra ir bem no combate.
Fora das batalhas, a construção e customização de personagens é bem extensa, com um sistema bem parecido com o de Matérias do Final Fantasy VII. Cada personagem equipa bolinhas mágicas que aumentam atributos e te dão sigilos de diferentes elementos. Por exemplo, uma bolinha aumenta o HP e dá dois sigilos de água, enquanto outra dá mais ataque e dá um sigilo de fogo e um de vento. De acordo com quantos e quais elementos cada personagem tem, ele tem acesso a diferentes magias – e construir cada personagem é a parte mais legal da customização. Realmente não existem personagens “magos” ou “guerreiros” nesse jogo – todos vão ter acesso a praticamente tudo, e fica na mão do jogador fazer o que quiser. Claro, cada um tem sua especialização e algumas habilidades pessoais aprendidas subindo de nível, mas combinar e construir bem seu arsenal mágico é essencial.
Veredito: Recomendado
Trails in The Sky 1st Chapter é um remake excepcional. Com ritmo mais lento e uma história que nunca esconde que é apenas o primeiro ato de uma trilogia, talvez a narrativa não seja do gosto de todo mundo. O sistema de combate é muito legal e dinâmico, os personagens (e suas vozes) são muito carismáticos, e o mundo realmente é legal de explorar, e você realmente passa a se importar com quem vive aqui. Se avaliado individualmente, fora da grandiosidade de todas as suas continuações, é um jogo muito bom, mas que peca pela mesmice dos locais explorados e pela sua história que literalmente não tem um final. Mas se visto como o começo (ou recomeço) de uma franquia, é um jogo excelente que vai trazer, com certeza, novos fãs pra Trails. Eu sou um deles.
Jogue se você curte: Tales of, Dragon Quest, e outros JRPGs menos frenéticos; jazz safado.