Acho que não tem outra forma de abrir esse review senão dessa forma. Swen Vincke, da Larian Studios (Baldur’s Gate 3), durante o (falso) TGA 2024, colocou fogo no parquinho com uma fala absolutamente lúcida e indiscutivelmente sensacional sobre a produção de jogos:
Um oráculo me disse que o jogo do ano de 2025 seria feito por um estúdio que achou a fórmula pra chegar até aqui. É estupidamente simples, mas de alguma forma ela vive se perdendo.
O estúdio fez o jogo porque eles queriam fazer um jogo que eles mesmos queriam jogar.
Eles não fizeram pra aumentar o valor de mercado. Não fizeram para servir à uma marca. Eles não tiveram que atingir metas arbitrárias de vendas ou medo de serem despedidos porque não chegaram nessa meta. As pessoas à frente proibiram eles de lotar o jogo com coisas cujo único propósito é aumentar a receita e não servir ao game design. Eles não trataram os desenvolvedores como números numa tabela de excel. (…) E eles entenderam o valor do respeito. Que, se eles tratassem jogadores e desenvolvedores bem, os mesmos jogadores e desenvolvedores iriam perdoá-los se as coisas não saíssem como planejado. Mas acima de tudo eles se importavam com o jogo deles, porque eles amam jogos.
Amor e Clair Obscur são redundância na mesma frase.
Gênero: RPG
Lançamento: 24/04/2025
Plataformas: PC, PS5, Xbox Series
Tem idioma PT-BR: Sim
Tem Hookshot? Sim, de uma certa maneira…
Desenvolvido por Sandfall Interactive
Publicado por Kepler Interactive
É o jogo do ano, não tem jeito
Não tenho dúvidas e não sinto que estou exagerando quando afirmo: Clair Obscur é o jogo do ano. Isso quer dizer que o jogo é perfeito? Não, de forma alguma. Existem alguns defeitos aqui e ali que me incomodaram um pouco ao longo de todo o jogo, mas isso não tira em nada o brilho absoluto desse jogo: Clair Obscur é a mais bela maneira de dizer “eu te amo, videogames” que eu já vi em vida. Não só pelo claro esmero, mas pelo tapa de luvas que esse jogo dá na cara de gente que ainda fala que “RPG de turno não vende” porque viu uma tendência e agora não larga o osso.
Clair Obscur é um RPG de turnos num sentido clássico e com uma roupagem muito moderna. Personagens agem conforme suas vezes de acordo com a sua velocidade – como se espera – mas é justamente nessa parte onde acontecem uma série de torções e quebras de regras que dão um ar fresco para o jogo. Ao receber ataques, você vai poder reagir de acordo com uma série de ações como aparar o golpe (cujo timing é mais preciso, mas a recompensa é um contra-ataque) ou esquivar do golpe (cujo timing é mais frouxo, mas você só evita o dano), além de outras possibilidades que o jogo libera conforme você avança. Ao usar habilidades, você precisa apertar os botões na hora certa para causar mais hits ou alterar algumas de suas propriedades. Não é nada novo: mas é refrescante ver essas coisas que já víamos em jogos como Super Mario RPG, The Legend of Dragoon e tantos outros clássicos dos anos 90 e início dos 2000 sendo reaplicadas de maneira precisa e inteligente. Mais do que isso: de maneira acessível para novatos e desafiadora para veteranos.
O mais legal é que a party não é só números e animações de combate legais. Todos eles tem mecânicas que são claras homenagens a jogos que os desenvolvedores amam. Ranking com letras conforme você é mais ousado? Temos. A Observadora de Slay the Spire que é uma esgrimista?! Temos. Gerenciar orbes elementais? Você duvidou disso? Blue Mage? É. De uma certa forma.
Mas as referências mecânicas vão além do combate: o sistema de Lumines, que são basicamente aprimoramentos para os personagens, lembra bastante o sistema de habilidades dos GFs em Final Fantasy VIII (argh…) com um toque das gemas do IX. É tanta forma de colocar coisas que amamos (ou amávamos…) em jogos que você fica meio paranoico procurando referência em tudo que é lugar. Ninguém vai me tirar da cabeça que a arma da Sciel é uma homenagem ao Serge/Lynx de Chrono Cross. Gustave e Nero são irmãos de braços, certeza.

Talvez a única ressalva que eu tenho seja quanto às habilidades dos personagens. Uma árvore de habilidades muito interessante e única que se limita à escolha de só seis me deixa um pouco chateado, ainda mais nos casos de habilidades que não são evoluções de outras. Certos personagens tem isso bem claramente, mas outros não tem isso de forma alguma. Claro que isso confere ao jogo camadas bem-vindas de customização, se combinada com o sistema de build do jogo, armas que tem proficiências (bônus de dano, basicamente) variando com atributos diferentes ainda por cima. Possivelmente, sua Maelle e a minha Maelle são diferentes. Mas, só seis habilidades? Queria mais um ou dois slots.
E se a gente levar em consideração o espetáculo brilhante que Clair Obscur é – em parte graças a Unreal 5, em todo graças às escolhas da direção de arte – fica difícil não chamar esse jogo de uma pintura em movimento. Recompensar os jogadores mais assíduos com números impossíveis e os menos com espetáculos visuais é inteligente, bem feito e amoroso demais.
Trés Magnefique!
E que jogo bonito, hein, chat?
O espetáculo visual não fica só por conta dos Esmaecimentos ou counters irados ou habilidades que fazem a Lune ainda mais mulherão da porra e deixam a Korra comendo poeira no quesito dominação elemental. O jogo é um espetáculo visual pelas escolhas de design que faz em seus personagens, com um misto de tecnológico, mágico. Ele é espetacular por escolher um dos períodos mais proeminentes da França – A Bélle Epóque – para homenagear, mas colocar muita coisa de fora deste período que a França deu pro mundo. Art Deco, Impressionismo, Rococó, Música Barroca, Cinema. Não só nas artes, mas filosofia e todo o resto.

O jogo é brilhante demais em referências, em construção de mundo, e faz isso tudo parecer fácil. É mole olhar para Clair Obscur e falar: “cacete, eu vou fazer um jogo assim, cheio de referências”. E deve ser fácil enfiar referências em todos os lugares, mas o complicado é fazer isso parecer natural ao que você está criando, sem destaque de “nossa, é uma referência” e com a beleza de “puta merda, é uma referência!”
Esquie que o diga.
A trilha sonora de Clair Obscur parece que está de sacanagem com as nossas caras o tempo todo e não foi à toa que o Samuca pegou Lumière como objeto de estudo no mais recente GGM mas esse esmero pode ser visto em tudo, sobretudo na ousadia e cara de pau, de fazer certas coisas em termos musicais que vão desafiar seus padrões de RPG de turno (especialmente se seus padrões tem um um “J” antes da sigla). Eu joguei o jogo inteiro com a dublagem em Francês, mas a dublagem em inglês não deixa muito a dever. Particularmente acho insultante para franceses falarem inglês, mas eu sou apenas um cara maluco. Seja ouvir a Maelle falando “Precision et grace!” ou ouvir Ben Starr, você estarão bem servidos com uma atuação emocionante, incrível e impecável em momentos engraçados, emocionantes e que vão te marcar para sempre. Aliás, não é só Ben Starr. O elenco de atuação de voz aqui nesse jogo – tanto o francês, quanto o inglês – é super reacheado de estrelas. Charlie Cox (Demolidor, Disney+), Jennifer English (Shadowheart, Baldur’s Gate 3) e Andy Serkis (Senhor dos Anéis) são alguns dos nomes do elenco em Inglês. Em francês, apenas atores de alto calibre, como Slimane Yefsah, como um personagem que não posso dizer quem é, mas rima como reverso e Maxence Cazorla dando voz de maneira excepcional a Esquie.
Preciso e gracioso
Clair Obscur marca demais porque se vale de uma das coisas que eu mais amo em videogames e que vemos poucas vezes acontecendo: conta histórias de videogame como um videogame. Não vou spoilar vocês com a história absurdamente monstruosa, emocionante e surpreendente desse jogo, mas posso dizer sem dúvidas que o que muda aqui não é ela em si, mas a forma que ela é contada.
Ora, Clair Obscur é um videogame e, como tal, precisa contar histórias com tudo que um videogame tem. Você verá o óbvio aqui, com logs das outras expedições que tentaram impedir o Gommage – um evento que mata geral de uma determinada idade, demonstrada com um número brilhante num monolito – e verá como, apesar de sua nobre missão, pessoas não são tão nobres assim em situações variadas. Você vai ver histórias de heroísmo, bem contra o mal: mas vai ver conflitos adultos e maduros, com diálogos muito bem escritos, personagens estruturados, conflitos densos e resoluções que surpreendem a gente. Os diálogos de Gustave e Lune, logo no comecinho do jogo, fazem um trabalho bem feito de preparar quem está jogando pelo que vem por aí: manter a esperança, apesar de tudo. Maelle, o chaveirinho do time, mostra uma maturidade forçada que as vezes se confunde com um desamor à sua própria vida. Mesmo as piadas de Esquie e um certo “blue mage” são dentro do tom.

A história, divididas em Atos (anunciados pelo jogo, inclusive) VAI te surpreender, fique de boa. Não só pelo conteúdo dela, que vão tendo prenúncios aqui e ali, mas porque você vai ouvir uma música especifica sempre que algo grandioso estiver para acontecer; você vai aprender uma habilidade nova e vai liberar coisas diferentes durante e por causa da trama. Esse jogo vai te tocar no coração, e aí fazer cosquinhas, apertar, dar tapas e beijar seus sentimentos o tempo todo.
O feito mais incrível desse jogo é fazer a gente, que cresceu jogando os clássicos RPGísticos, olhar para algo que era tido como “chato”, “antigo” e “defasado” e ver que não é nada disso (viu, Yoshi-P?). Me fez me sentir jogando FFVII pela primeira vez lá em mil novecentos e lá vai bolinha, ficando puto com a minha falta de tempo para poder jogar esse jogo da forma que ele merece. Me fez ficar feliz por ver amigos e amigas que torciam nariz para RPGs de Turno dizendo que isso é um puta jogão.
Clair Obscur e amor na mesma frase são redundância, mas às vezes a gente precisa de um pouco disso na vida: Clair Obscur não é jogo, é amor.
VEREDITO: OBRIGATÓRIO
Clair Obscur: Expedition 33 é um jogo que acontece praticamente uma vez por ano que mostra para todo mundo aí fora que o que a gente precisa não são orçamentos monstruosos, gráficos hiper-realistas e cavalos cujos testículos enrugam em tempo real: É só deixar os devs trabalharem que a cozinha fica organizada. Um petardo RPGístico, uma pedrada emocionante e um jogo absolutamente brilhante fazem de Clair Obscur a melhor coisa que já aconteceu nesse gênero que tanto amamos. Se você nunca jogou RPGs na sua vida, é uma obrigação jogar. Se você já jogou, é uma obrigação dupla.
Jogue se você curte: A trilogia das cores, música boa, croissant e jogos bons
Obrigado ao pessoal da Sandfall, Kepler Interactive e da Theogames pela chave cedida! MERCI, MES AMI ~
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