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Kunitsu-Gami é uma ousada mistura de arte e jogabilidades em um mercado conservador

Quando Kunitsu-Gami: Path of the Goddess apareceu em trailers, ouvi muita gente achar intrigante e curioso o jogo. Além do mais, era um jogo da Capcom, que estava acertando muito em seus últimos jogos, lançando algo novo.

Contudo, quando o jogo lançou, a mistura de gêneros e escolhas inabituais de design acabou por afastar muitas jogadores que, acho, esperavam por algo mais de ação e aventura. Ouvi algumas pessoas dizendo que o jogo era uma Tower Defense e outras diziam ser estratégia. As vezes, até mesmo taxando esses gêneros como motivo para não gostarem do jogo.

Podemos dizer que Kunitsu-Gami é uma mistura de  Hack and Slash, Estratégia e Tower Defense, mas isso não quer dizer que o jogo é só para quem gosta de todos os três gêneros. Na verdade, a junção que o jogo faz é única. E tenho a impressão que essa coisa diferente do jogo foi o que causou estranheza e fez com que muitos jogadores desistissem do jogo subitamente.

Portanto, o que pretendo, aqui neste texto, é mostrar o porquê eu acho Kunitsu-Gami um dos melhores jogos de 2024. E também, digo categoricamente – algo que normalmente eu não faço -, que este é um dos jogos mais criativos feito por uma empresa de AAAs nos últimos 20 anos. E, por isso, ele merece ao menos uma chance real e com boa vontade.

Narrativa pela estética: como a arte diz tudo

No jogo, controlamos Soh, um guerreiro com espada que precisa ajudar a sacerdotisa Yoshiro a expurgar os Coléricos, seres espirituais que corrompem a natureza e os seres humanos, das montanhas Mufuk. Portanto, passamos pelas aldeias da montanha purificando-as e devolvendo as pessoas e a natureza, suas próprias vidas.

A arte do jogo é espetacular e podemos notar que há um cuidado especial que tiveram para elaborar diversos elementos. Primeiro, o visual totalmente baseado no folclore japonês, com uma representação vibrante e colorida. Tanto Soh e Yoshiro quanto as unidades básicas usam roupas artisticamente recriadas que impressionam, não apenas por sua precisão histórica, mas por sua capacidade de expressar o papel que desempenham no mundo. Por outro lado, os Coléricos são visualmente impressionantes devido à sua aparência repulsiva e gosmenta com uma composição estética que referência sentimentos humanos corrompidos, como, gula, covardia, violência, dentre outros. É interessante o como, ao enfrenta-los, é possível imaginar como a aldeia foi consumida por eles antes de chegarmos, criando um elo narrativo entre o design artístico e a história.

As animações dos personagens, por sua vez, são inspiradas em danças tradicionais japonesas, vistas em festivais e cerimônias e já demonstram um aspecto cultural interessante. Em Kunitsu-Gami, essas danças ganham destaque durante os exorcismos, momentos simbólicos em que Yoshiro lidera os habitantes locais. Através de música e movimentos rituais, eles expulsam os espíritos malignos. Não há diálogos nesses momentos, apenas cantos com fonemas básicos acompanhando a dança, o que transmite de forma intuitiva e poderosa o contexto do jogo. E é poderosa mesmo, só “gritão” brabo!

Os movimentos de Soh, personagem que controlamos, também possuem singularidade marcante que os diferenciam do que vemos em outros jogos Hack and slash, trocando um pouco de controle preciso e “snap” por uma movimentação não tão hábil, mas plástica e viva. Logicamente, isso também tem uma justificativa no contexto do jogo: Soh não é herói solo que vai salvar a todos, mas sim alguém que precisa compensar suas limitações com a ajuda de aliados. Em resumo, os movimentos de combate são estilosos como se fossem uma dança com ritmo específico e adornada por rastros coloridos e luminosos dos golpes de espada, dando um toque ainda mais performático ao combate. Embora isso possa desagradar jogadores acostumados com jogabilidade mais responsivas, aquela do “manual de game design”, podemos notar rapidamente que o que temos ali são movimentos do estilo de combate do personagem, que naturalmente possui potencialidades e problemas.

A trilha sonora do jogo cumpre é muito bacana e cumpre bem o papel, mas aviso que as músicas possuem um tom contemporâneo no trato harmônico, com sonoridades não muito habituais para compor o cenário. Por exemplo, a música tocada durante o gerenciamento de base possui um caráter soturno utilizando escalas musicais pouco recorrentes na música popular em geral.

Em geral, o que chama atenção no jogo é como o estilo artístico (composição de contexto, música, entre outros elementos) forma uma estética coesa que é capaz de dar elementos da narrativa que nos induzem a abraçar a ideia do jogo. E isso é feito de forma brilhante porque já conseguimos entender que o jogo está retratando: um Japão antigo com em uma visão mitológica da disputa entre luz e trevas. Além disso tudo, o jogo possui uma DLC das roupas e trilha sonora do Okami. E é incrível como esses elementos se encaixam esteticamente no jogo.

Então, o que é Kunitsu-Gami enquanto jogo?

Eu poderia resumir Kunitsu-Gami como um jogo que transita entre Estratégia em Tempo Real (RTS), Hack and Slash e Tower Defense. Nenhum desses gêneros predomina no jogo, o que resulta em uma experiência única e que me esforçarei para traduzir em palavras.

O jogo se divide em dois momentos: um de gerenciamento de base e o outro de ação, composta pelo combate com estratégia. Primeiro, o gerenciamento de base é simples e direto, é o momento em que você pedirá a alguns cidadãos para reformar alguma parte da vila e, com isso, conseguir recursos para desbloquear os upgrades ou ataques especiais. Segundo, o momento de ação, de combate, é subdividido em duas etapas: (1) a exploração do cenário com a preparação para o combate durante o dia e  (2) o combate em si durante a noite.

Durante o dia, ao entrar em um novo cenário, o objetivo é demarcar o percurso que Yoshiro seguirá com sua dança até o portal de onde surgem os monstros para que, assim, o ritual se concretize e o ele seja fechado. Não há inimigos nesse momento. Então, além de esperar Yoshiro lentamente realizar sua dança, devemos procurar por áreas e cidadãos corrompidos. Esse processo é importante no jogo porque, ao limpar as corrupções das áreas, ganhamos recursos para “treinar” magicamente nossas unidades, enquanto que os cidadãos resgatados se tornam parte do nosso exército. Então, é um período que precisamos agir rápido para conseguir recursos, organizar o espaço em que Yoshiro irá passar e também “recrutar” unidades.

Sobre as unidades, vale destacar que temos uma diversidade de unidades que são baseadas em arquétipos clássicos: ataques de longa distância, curta distância, cura, tanque, entre outros. Eu só não irei descrever as classes porque porque acredito que será legal descobri-las durante o jogo. Além das unidades de combates, temos até uma unidade específica que produz armadilhas para colocarmos em pontos pré determinados no mapa durante o dia, mas que adiciona mais uma camada de estratégia.

Já durante a noite, a dinâmica muda. Yoshiro interrompe sua dança e devemos protege-la. Nesse momento, temos que enfatizar o comando das unidades para posições estratégicas que consigam proteger Yoshiro das hordas de inimigos que irão a atacar. O interessante, nesse momento, é que podemos construir estratégias que compensem as fraquezas. Caso sejamos bons no combate corpo-a-corpo, podemos cobrir as fraquezas das unidades ou vice-versa. Por exemplo, podemos colocar arqueiros em locais elevados para defender áreas específicas e os guerreiros em certas passagens para desacelerar os inimigos enquanto levam flechadas. Enquanto isso, controlamos Soh para lidar com monstros mais específicos que exigem estratégias mais sofisticadas.

Alias, o controle de Soh é basicamente algo comum em Hack and Slash, com possibilidades de combos, ataques aéreos e alguns especiais, mas é importa apontar que todos possuem um ritmo específico, fazendo com que tenhamos que ter cuidado com a quantidade de golpes que damos e a direção, pois constantemente estaremos em meio a hordas de inimigos. Para quem não gostar do estilo de combate de Soh, vale a pena avisar que com o desenvolver do jogo, encontramos algumas habilidades especiais e também podemos alterar o estilo de luta de espadas, o que dá outra dinâmica ao combate. Acho que vale muito experimentar essas habilidades para adaptar ao gosto de gameplay de cada um.

Com isso tudo, vocês já podem imaginar o como essas dinâmicas de gerenciamento e combate fazem com que precisemos estar atentos a todo momento, a um nível de microprocessamento mesmo. Por exemplo, tem momentos que precisamos correr com Soh para ajudar um grupo que está tendo dificuldades em conter a horda, porém isso enfraquece a região que estávamos anteriormente. Aí, nessa hora, tentamos encontrar uma unidade que está sobrando para cobrir esse ponto frágil . Isso parece simples, mas no calor do combate é algo complexo e que precisamos encontrar saída para esses problemas a todo momento. Lógico que podemos utilizar a pausa para pensar no que fazer e controlar com calma o posicionamento de cada unidade, mas a empolgação em nós é algo que também precisamos gerir, não é mesmo?

O legal é que o controle da unidades estão sempre martelando na nossa cabeça com questões constantes: qual, para onde e por quanto tempo. Tudo isso cria um momento de tensão muito legal em que vamos aos poucos resistindo a horda de inimigos e que, no fim, nos dá um sentimento muito satisfatório. Aliás, a recomendação que faço é escolher a dificuldade nas opções para que fique um jogo desafiante, mas sem ser frustrante. Algo que não seja um “passeio no parque”, pois o jogo é mais baseado no gameplay do que história em si, então, acredito que se ficar muito fácil, isso tende a deixar o jogo desinteressante. Mas é logico que isso é somente uma sugestão.

As batalhas contra chefes também são destaques bem legais. Elas apresentam dinâmicas únicas e exigem com que descubramos o como derrotar o chefe, procurando os melhores momentos e locais para atacar enquanto tentamos proteger Yoshiro. Portanto, a dinâmica de organização de tropas é diferentes das fases e temos acesso a dois comandos adicionais que aparecem somente no confronto contra chefes: um para defesa total de Yoshiro e outro para ataque total no chefe, um tipo de “tudo ou nada”. São dois comandos que parecem simples, mas o uso é bem efetivo. Na prática, iremos procurar o momento certo para atacar de modo cauteloso e quando aparecer uma brecha, acionamos o comando de ataque total e todo mundo sai correndo para cima do boss para dar dano. Nessa hora é muito interessante o como esse simples comando, no contexto do jogo, nos traz uma sensação de unicidade entre nós e as tropas, muito semelhante ao meme do Coração Valente: “esperem, esperem… AGORAAA!”. É muito maneiro, sério.

Apesar disso tudo, temos uns problemas de controle que precisam ficar claros. Um deles é a dificuldade em selecionar uma unidade quando próxima de outras que se confundem em meio a confusão. E outro problema é a interface de usuário que é pouco intuitiva e isso acaba aumentando a dificuldade de modo desnecessário. Aliás, acho que o ponto fraco realmente do jogo é interface. Portanto, aconselho a não pular o tutorial para mitigar um pouco esses problemas no começo. Nesse sentido, posso dizer que são problemas que acostumamos a lidar conforme jogamos.

Nos videogames a narrativa nem sempre precisa ser falada ou escrita

A parte da narrativa do jogo é bem direta e parte da premissa: combater os espíritos malignos na montanha. O enredo é sentido mais pelos elementos estéticos e momento de jogo do que por diálogos ou textos. Os textos em si existem, porém somente como pequenos resumos no início de cada fase para dar contexto. Nada muito complexo. Desse modo, a narrativa vai insurgir em nossa imaginação ao entramos em contato com a arte durante o jogar.

A cada fase, é possível notar o sentimento de Yoshiro em sua tarefa homérica e do sofrimento das pessoas que encontramos. A própria estrutura de desafios dão elementos suficientes para entendermos a jornada. Como exemplo,  em uma das fases, precisamos salvar uma população ribeirinha da corrupção. A primeira tarefa é resgatar os cidadãos da maldição. Então, auxiliamos Yoshiro para purificar o caminho e fechar o portal enquanto resgatamos a aldeia e seus cidadãos. Depois disso, temos que ajudar as pessoas fugirem pelo rio em busca de um lugar mais seguro. Essa fase dá um senso de urgência interessante em que você se sente salvando os aldeões e fugindo com eles. Simplesmente pelo ato de fugirmos pelo rio já cria em nossa imaginação a noção de perigo que seria permanecer naquele lugar.

A fuga pelo rio também é interessante porque aprofunda a sensação de tensão. Nela, a dinâmica muda e precisamos proteger Yoshiro no barco enquanto enfrentamos os inimigos. Essa variação no gameplay adiciona camadas à narrativa, transformando o que poderia ser uma simples missão em uma experiência marcante e carregada de significado.

Então é isso…Joguem!

Kunitsu-Gami é uma grata surpresa de 2024. O jogo oferece uma experiencia única e memorável ao combinar gêneros de jogos com uma estética bem particular. Não se trata de um jogo que muitos amarão, pois é uma experiência pouco convencional e exige que o jogador tenha abertura para as diferenças que ele traz. Caso você sente para jogar e espere que o jogo lhe entregue uma experiência empolgante de cara, você não vai gostar do jogo. Agora, se você der uma chance, acredito que conseguirá encontrar essa coisa única que venho falando. Ainda mais que vejo muita gente sempre reclamando que os jogos estão muito padronizados e com pouca alma.

Para mim, Kunitsu-Gami: Path of the Goddess foi umas das melhores experiências de videogames que tive em 2024 e espero que mais jogos assim possam ser produzidos: focados em criatividade e na experiência videogame. Aliás, nem todo jogo precisa ser uma “super blockbuster AAA” para ser significativo, para ser bom. Só precisamos lembrar que coisas novas podem causar um estranhamento inicial e isso não é ruim, talvez seja até o início de uma boa transformação.

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