Keeper – O Melhor Simulador de Jesus Cristo

Quando a Double Fine anunciou Keeper, fomos surpreendidos por algo instigante. Víamos um farol andando em cenários diversos. Naquele momento não tínhamos dúvidas, era realmente um jogo da Double Fine: com estilo, mas um daqueles que ninguém tem a mínima ideia do que se trata.

Depois de ter terminado, eu só tenho a dizer para vocês que Keeper é um simulador de Jesus Cristo que une Walking Simulator, Fumito Ueda-like e Journey em um jogo que merece ser jogado por muitos, mas não todos.  Quando digo “simulador de Jesus Cristo”, não é literal. Quero dizer: você é luz, cura o mundo e anda com uma missão quase mística — mas de forma absurda e experimental. Além disso, misturo esses gêneros-like porque é realmente difícil explicá-lo de forma tradicional.
Fiz uma pesquisa rápida na Steam por “jogos similares” e achei uma mistura curiosa: Stray, Uncharted, Tormented Souls 2, Eclipsium, Indika e Superliminal. Sinceramente, fiquem com a minha ideia e esqueçam porque não tem nada a ver com esses jogos – talvez Indika, de longe.

Ok, vocês já devem estar achando estranho minha abordagem meio estranha, confusa e contraditória, contudo, tudo isso que estou fazendo é porque esta será uma das resenhas mais difíceis que terei que fazer. Para não estragar a experiência do jogo e, ao mesmo tempo, transmitir o sentimento do jogo de alguma forma para vocês, precisarei ser um pouco mais críptico.

Diante disso, estou avisando a vocês de que este será um texto críptico, excessivamente metafórico ou, talvez devêssemos dizer, “fumado”, psicodélico. Apesar das doideiras, a ideia é tentar convencer vocês a jogar um game que sei que não costuma receber muita chance ou tempo das pessoas.

Gênero: Uma  mistura de coisas
Lançamento: 17/10/2025
Plataformas: PC/Xbox Series
Tem idioma PT-BR: Sim
Desenvolvido por Double Fine
Publicado por Xbox Game Studios

Parece que estamos entrando no algodão doce.

O nascimento de um guardião

Imagine que você acorda em meio a um mundo tranquilo que está sendo invadido por uma escuridão. Nesse momento, você vê seres escuros, sem vida, sem luz, que agem querendo matar e destruir perseguindo tudo quanto é vida no lugar. Todo lugar que a luz do Sol não toca, esses seres proliferam e aumentam sua própria escuridão. Porém, você é diferente e tudo que você olha, ganha vida, força e cura. Quando você olha para as plantas, elas florescem maravilhosamente dando frutos que produzem ainda mais vida, pois são alimentos dos seres desse mundo. As flores dão beleza e dão sentido a natureza que retorna seu fluxo.

Por outro lado, a escuridão está sempre à espreita, pronta para contaminar e destruir você e a natureza. É como uma doença que se alastra mais rápido do que o corpo consegue conter.

Nesse contexto, você nota que seu olhar de luz é capaz de proteger os seres vivos do mundo (flora e fauna) desses seres destrutivos. Sua luz, portanto, é como um toque divino, assim como vemos em histórias de magia ou na religião. Porém, você notará uma coisa curiosa, seu corpo é gigantesco, pouco ágil e de difícil equilíbrio, pois você é um farol. Isso mesmo, um farol com pernas. Uma torre que solta luz, mas com umas perninhas em forma de raiz que possibilitam você se locomover. E o motivo disso é simples: você nasceu assim. Lembra quando eu pedi para você imaginar que tinha acabado de acordar? Então, é exatamente isso. Você nasceu assim nesse mundo sem saber de nada, mas nota rapidamente que produz vida com sua luz. E, de repente, em meio a essa nossa conversa toda, uma ave se aproxima e lhe considerou um lugar seguro para se abrigar da escuridão e agora dorme em sua cabeça.

Criamos luzes na escuridão. É uma comunhão.

Jogabilidade: Caminhar, Sentir, Descobrir

Keeper é um jogo de descoberta. Não teremos tutoriais em nossa cara, nem indicações do que devemos ou não fazer. Tudo no jogo é para você andar pelo mapa e experimentar qual interação sua luz ofuscante vai fazer com algo no cenário. Logo no começo, por exemplo, você notará que sua luz produz vida no mundo, pois você vai olhar para umas plantinhas no mapa e elas irão crescer, dar frutos e talvez, alimentar alguns seres.

O interessante é que o nosso guardião-farol-Jesus Cristo se move de um jeito desengonçado e precisa encontrar soluções para continuar com sua missão divina pelo mundo. Já notaram que é desse modo que você encontrará os desafios do jogo, em forma de pequenos puzzles baseados na forma como você interage com o cenário.

E é aqui que eu paro de explicar o jogo porque tudo é surpresa no jogo. Elas não chegam sempre de forma exagerada e explodindo a mente, pois tudo acontece de pouco em pouco e vagarosamente criando uma sensação de progresso sutil. Por isso, é importante você experimentar o jogo por conta própria para não estragar as surpresas, mas vou dizer que tem muitas e que, pode ficar tranquilo que a jogabilidade do game irá mudar alguns momentos.

Mas veja só, a ave que estava dormindo em nossa cabeça de repente se prontificou a pegar algo para a gente. Muito obrigado, minha amiga!

Quando chegou em Jerusalém (cof cof), na cidade, muitos furiosos espreitavam a distancia.

Arte: um mundo que respira luz

Em termos de arte, o jogo é muito bem feito. É tudo muito bonito e com o carisma artístico da Double Fine, estilizado e cartunesco. Teremos vários biomas que iremos explorar e cada um é bem único, com suas próprias faunas e floras. Há montanhas, rios, cavernas, “cidades”, ruínas, bosques e florestas muito bem feitas dentro do estilo do jogo.
Terá momentos que você irá olhar o mundo por penhascos e pensará: que bonito. Outras você irá olhar para cenários e seres e achar curioso. Além disso, as coisas se transformam a todo momento. Arte!

Tem um vídeo recente de Lee Petty, idealizador do jogo, explicando sobre isso vale a pena conferir. Confiram abaixo.

No quesito som, o jogo é muito competente porque os efeitos mistura algo de desenho animado com realidade e cumprem o papel. Eles ficam ali dando textura ao mundo. Mas é muito engraçado que o barulho da luz do farol, quando acionada, é destoante, mecânico e alto. É algo que sempre está lhe dizendo que você é diferente, que é uma aberração.

As músicas complementam e ajudam a construir a atmosfera do jogo. Não é um tipo de música que ficará muito na cabeça depois do jogo, mas com certeza ela consegue te colocar no estado emotivo de cada momento.

Ainda que eu ande pelo vale da sombra e da morte, não temerei mal algum, porque tu estás comigo

Por que Keeper Importa?

Keeper é um daqueles jogos únicos e foi interessante jogar na semana em que tive que dar aulas sobre fotografia para minhas turmas. A fotografia é um exemplo pelo qual conseguimos perceber a mudança pela qual o ser humano começou a ver o mundo também a partir da lente das câmeras. Olhar o mundo pelas lentes de uma outra pessoa é como se pudéssemos vislumbrar um mundo que outra pessoa vislumbrou que talvez desconheceríamos sem a materialidade da fotografia. No caso, de Keeper, estamos vendo um mundo a partir de uma criatura em que suas lentes produzem vida e o que faríamos se tivéssemos esse tipo de poder.

A questão intrigante sobre isso tudo é que esse jogo único e convoluto veio da Double Fine, que atualmente pertence a Microsoft. É uma demonstração de uma contradição do capitalismo, na qual insurgem objetos de resistência às lógicas capitalistas de locais onde não imaginávamos. Isso tudo faz com que Keeper seja um milagre duplo, tanto naquilo que se faz dentro do jogo, quanto à existência desse jogo dentro do contexto super opressivo atual da Microsoft é algo inusitado. Pergunto-me, como este jogo não foi cancelado antes?

Lógico que é uma pergunta retórica e reflexiva porque o mundo ainda é feito por pessoas, e essas ainda vivem e vão fazer de tudo para que suas criações possam expressar suas ideias a outras pessoas. Mas é incrível perceber que os desenvolvedores tiveram liberdade criativa para fazer um jogo nada focado em mercado como Keeper, com um polimento artístico maravilhoso e ainda custando R$ 99,00 na Steam e na Xbox.

No entanto, eu sinto que este jogo só vai atingir quem tiver paciência. Só vai emocionar quem se deixar tocar. Em resumo, você precisa estar aberto a experiência que ele te provoca porque somente assim você conseguirá notar as sutilezas do jogo e sua expressão artística. Deixar as texturas tocarem seus olhos e aceitar não entender o sentimento de algo e seguir em frente, considerando que aquilo vai ser compreendido ou não.

Olhando as conquistas do jogo, reparei que no Xbox 10% das pessoas que jogaram terminaram; já na Steam foram 25%. E esse é um jogo curto com umas 5 horas de duração. Ou seja, é um jogo que as pessoas não tiveram paciência. Essa informação pode não ter acurácia científica, mas é suficiente para nos fazer refletir sobre o lugar desse tipo de jogo no tempo das pessoas.

Olhar para baixo da uma vertigem, e aberração cromática intensifica ainda mais o sentimento.

Veredito: Recomendado

Pessoal, no contexto atual, a Microsoft está na guerra das IAs e isso tem destruído todos os setores dentro dela que não favorecem essa tecnologia. Keeper, nesse contexto, é a contradição ali dentro. Porque Keeper é sobre uma vida não mecanizada, apesar de ter mecanismos. É sobre união entre nós os Outros, a natureza e as coisas. Portanto, é difícil acreditar que veremos esse tipo de coisa dentro da Microsoft novamente. Talvez, a própria Double Fine esteja em risco. Não sei….

Diante disso, recomendo este jogo para quem busca uma experiência diferente do habitual, que goste de ser surpreendido, mas sem explosões emotivas hollywoodianas. É um jogo barato que logo vai ter promoções e peço que deem uma chance a ele algum dia porque é uma pena algo com tanto não ser apreciado por não corresponder às necessidades estéticas de uma sociedade ansiosa por consumir emoção a todo custo.

Uma última fala pessoal. Quando terminei o jogo, achei legal, mas estava em dúvida sobre o que sentia sobre o jogo. Depois de uma semana, eu reparei que o jogo foi crescendo comigo e reviver a lembrança do jogo enquanto escrevia a resenha me fez gostar mais dele. 

 

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