Quando joguei Castlevania 2: Simon’s Quest no Nintendo em 1991, fiquei totalmente fascinado pelo jogo. Ele trazia uma música muito marcante, como Bloody Tears que é o clássico dos clássicos da série Castlevania. Isso combinado com os gráficos góticos pixelados, feitos de modo competente pela Konami, que era o top da época, o jogo tinha até um ciclo de dia e noite. Onde aparecia escrito: “what a horrible night to have a curse”, tudo ficava escurecido na arte e os inimigos alteravam, por versões mais poderosas. Está de noite, o terror é muito maior. Isso me impactava e era fantástico na época.
O jogo te largava numa cidade de estrutura vertical com plataformas onde você poderia conversar com as pessoas e coletar informações. Depois era momento de escolher para onde ir: esquerda ou direita. É isso mesmo, escolhe um caminho e vai nele. Jogue-se na aventura e tome decisões a partir daí.
Por outro lado, Castlevania 2 é um jogo muito obtuso que explica muito pouco o que deve ou não ser feito, pois só temos falas muito abertas das pessoas. Por isso, o jogo envolve muita tentativa e erro. Aliás, é interessante como ele foi ressuscitado pelo Angry Video Game Nerd como o jogo ícone dos problemas, pois tinha um segredo importante que não tinha como saber se você não comprasse a revista Nintendo Power para ler o guia. Isso mesmo, a coisa era tão escondida que era impossível descobrir como terminar o jogo sem comprar a revista. Uma estratégia vacilona – para não dizer algo pior – da Nintendo para comprarmos mais revistas. Aliás esse jogo merece até uma matéria a parte, caso queiram, deixem recados.
E por que estou falando disso, vocês irão me perguntar? É porque eu nunca imaginei que iria encontrar um jogo que traz realmente o sentimento desse Castlevania 2 que senti. Quando o Leon falou comigo do jogo Chronicles of the Wolf e me enviou a chave, pensei que seria só mais um metroidvania como a maioria que temos visto por aí, que são sempre competentes por seguir uma cartilha mínima de game design. São até chamados de pizza dos videogames, porque toda pizza é boa o suficiente.
No entanto, Chronicles of the Wolf é um jogo que chama atenção por ser ousado o suficiente para sair desse paradigma e trazer um metroidvania não calcado na linha de Symphony of The Night, mas sim de Castlevania 2, prioritariamente.
Gênero: Ação; Aventura; Metroidvania
Lançamento: 19/06/2025
Plataformas: PC
Tem idioma PT-BR: Sim
Desenvolvido por Migami Games
Publicado por PQube e Pixelheart

O mito de Gévaudan e a construção de um mundo de horror gótico
Chronicles of the Wolf é metroidvania feito por uma desenvolvedora muito conhecida na fanbase de Castlevania que é Migami Games que produziu diversos Fan-Games de Castlevania que talvez já tenham visto nome em algum lugar: Castlevania: Lecard Chronicles 1 e 2 e Haunted Castle 2 e 3. É uma empresa, portanto, de dois fãs da série Castlevania. Diante disso, Chronicles of the Wolf é, portanto, o um jogo totalmente original feito por eles, um típico caso dos fãs que na marra vão aprendendo e produzindo motivados por suas paixões.
Essa explicação é importante porque ela tornará muito mais fácil a apresentação das qualidades e problemas do jogo. Além disso, justificará decisões artísticas e de design do jogo.
Então, a história de Chronicles of the Wolf acontece na França do final do século XVIII, na qual você jogará com Mateo Lombardo, um guerreiro da Ordem da Rosa Cruz (Rose Cross Order) que foram convocados para eliminar uma besta que vem aterrorizando vilarejos da França.
Porém, durante a jornada para a região, a besta ataca todo o pelotão à noite enquanto dormiam e mata todos seus companheiros, sobrando, por sorte, você. Diante disso, você sozinho tem o dever de seguir a missão e derrotar a besta.
O que podem notar de cara é que a besta não é um vampiro, mas sim um lobo bestial. Isso acontece porque a história é baseada nas narrativas sobre a Besta de Gévaudan que vale a pena um parêntese para falar sobre.
Os registros históricos dizem que entre 1764 e 1767, uma criatura misteriosa aterrorizou o interior da França, na região de Gévaudan. Mais de cem pessoas, em sua maioria mulheres e crianças, foram brutalmente atacadas por um animal que ninguém conseguia identificar direito. As descrições têm um teor mítico de produção, na qual o aspecto ilusório e imaginativo se mistura aos discursos descritos. Então, as descrições flutuavam entre um lobo gigante e uma besta sobrenatural.
Logicamente, a precariedade das informações e de proteção fez com que a região mergulhasse em um estado de medo coletivo. A cada novo ataque, surgiam boatos, exageros e versões cada vez mais fantasiosas. Vou colocar algumas imagens da besta para vocês verem como é interessante essa história, que fui conhecer só por causa do jogo.
Diante disso, o rei Luís XV enviou caçadores de elite para resolver o caso e depois de muita pressão pública e história até o momento em que o lobo foi declarado morto oficialmente. Mas sabe como são os mitos né? Há relatos de que os ataques continuaram, mas devemos notar que a estrutura do mito faz com que pessoas coloquem a culpa neles para qualquer pessoa que tenha sido desaparecido, morta por um outro animal ou, até mesmo, para encobrir assassinatos. Os mitos viram espelhos de traumas sociais que encobrem problemas humanos vividos e os transforma em explicações que possuem uma lógica, apesar de não cientificamente esclarecida. Vale dizer que criamos monstros para explicar o caos.

Na história de Chronicles of the Wolf, alguns personagens cultuam esse mito e tentam explorar esse caos como forma de obter poder. Desse modo, o jogo já começa com problemas a serem resolvidos tanto pela besta quanto de seus asseclas. No entanto, o jogo não fica somente na questão da Besta Gévaudan e vai utilizar diversos outros mitos e história para compor o plantel de monstros. Ou seja, assim como fez Castlevania, Chronicles of the Wolf também utiliza de diversos mitos e histórias para criar o universo do jogo.
Toda essa composição fará com que a nossa viagem tenha diversas interações com personagens inimigos ou amigos, vivos, mortos ou mortos-vivos, onde eles irão dar mais informações sobre o universo, explicando seus objetivos, motivações e demonstrando precauções.
A questão da quantidade de textos e diálogos é meio desequilibrada no jogo. Alguns diálogos são meio blá blá blá, mas outros em poucas palavras dão o tom e o contexto de um local de modo muito eficiente. Assim como em Castlevania 2, alguns diálogos darão pistas sobre o jogo, de onde ir, tentando puxar a curiosidade de você para investigar um local ou outro. Porém, alguns diálogos serão missões muito claras a serem feitas, apesar de não ter um menu de missões no jogo.
O Castlevania que nem a Konami consegue mais entregar
O jogo em si, é basicamente um Castlevania antigo, uma mistura de plataforma com ação. O esquema metroidvania é bem claro. Sendo um jogo com ataque, pulo e habilidades, há também itens, armas e relíquias. Onde destaco as relíquias por funcionarem exatamente igual as relíquias em Metroidvania, adicionando alguma habilidade ou servindo como chave para locais.
No quesito jogabilidade, ele é bem cravado, ágil, o personagem anda rápido e os comandos respondem muito bem. Ainda mantendo aquela sistemática de Castlevania, mas de modo ágil. Nesse sentido, o jogo é bem amarrado nos seus controles. Você só sentirá algo travando dependendo da arma que utilize porque tem o tempo próprio de preparação seguindo a lógica de que armas muito fortes têm o golpe lento e armas fracas podem atacar mais rápidas.
Somado a isso, encontraremos habilidades diversas durante o jogo. As que chamam a atenção são poderes místicos, magias, que fantasmas nos darão. Esses fantasmas são espíritos de pessoas mortas que vão nos ajudar em busca de vingança contra a Besta. Um exemplo, de poder que eles dão é um buffer que aumenta o poder de ataque. Mas iremos encontrar outros poderes durante o jogo.
Na dinâmica do jogo, temos algo curioso que é o ponto extremamente Castlevania 2, a exploração é majoritariamente de ir para esquerda e direita. Eu sei que a maioria dos jogos tem uma predominância de mapas que podem ser conectados de modo horizontal, porém nesse jogo é o fator primário. Aí vem uma contradição de level design que acho interessante. No jogo começamos podendo escolher ir para direita ou esquerda do cenário. Caso você ande tudo para a direita, você terá que voltar para esquerda andando em grande parte do jogo. Portanto, o cenário não é muito bem interconectado. Isso é importante porque, para mim, trouxe uma contradição que é interessante por ser admirável. Hoje em dia, fazer um metroidvania sem cenário conectado é uma ousadia porque é muito mal visto, porém acho que aqui isso faz com que o jogo te coloque mesmo numa jornada. É um problema que arrasta o jogo, mas como você é rápido, isso não é tão pesado e acaba trazendo bem a sensação de estar em uma jornada por aqueles territórios, apesar de trazer muita repetição.

O jogo até possui algumas estratégias para conectar algumas áreas de forma geral, como teleportes e elevadores, mas não evita um backtracking que pode ser cansativo. Aliás, este é o maior problema, tem alguns momentos, principalmente perto do final, que o backtracking é bem cansativo porque exige muita ida e volta em áreas iguais que até recomendo fazer uma pausa quando sentir essa saturação.
Eu estou batendo muito nesse ponto porque é algo que ao mesmo tempo trouxe alguns problemas, mas em outros me trouxe uma sensação de ser um guerreiro em sua jornada. Isso acabou até trazendo um tempero adicional, uma emoção à narrativa.
Além disso tudo, Chronicles of the Wolf traz um aspecto brutal de jogo “antigo” de volta: umas mortes baratas. Tem alguns pontos, que se você for na hora errada, você morre. É tão direto a tela do game over que às vezes eu até tive vontade de rir.
O aspecto “Dark Souls” não fica só nisso dos game overs, pois é extremamente importante ler os itens e ver a descrição dele para conseguir prosseguir no jogo em alguns pontos. Portanto, leiam os itens que pegar!
Na questão do combate acho importante falar que vamos enfrentar uma quantidade imensa de monstros diferentes para um jogo indie. Cada área possui conjuntos únicos de monstros. Os chefes são bem legaizinhos com padrões de ataque bem mapeáveis e, em alguns casos, até simples. O que foi interessante nisso, é que esse sentimento de simplificada foi notado e estranhado por mim no início, porque a maioria dos jogos tentam colocar chefes super trabalhados e com diversas fases que vão mudando. Aqui, por outro lado, tem chefes com uma fase apenas e que em alguns momentos foi até ridiculamente fácil matar alguns, porém isso foi um alívio: ter algo simples.

A expressão humana tem um preço que vale a pena pagar
No aspecto artístico temos diversas qualidades que são notórias muito rápido, mas também estranhezas que demonstram o como o desenvolvedor fez a coisa na “raça”, na força de vontade. A primeira coisa que vou destacar é que todos devem ter visto a capa do jogo e ela é esquisita, um tipo de arte digital que parecem personagens de CG (computação gráfica) de Playstation 1. Daquelas CGs de Resident Evil 2 ou Final Fantasy VIII. Entendem? Isso causa uma estranheza porque o jogo é todo em pixel art algo que ficaria entre o Super Nintendo e o Playstation 1, ou seja, em um ponto da história dos games que não existe, o que deixa a coisa única apesar da grande inclinação do jogo na estética gótica de Castlevania.
A pixel art do jogo é bem legal em muitos aspectos. Ela consegue realmente dizer como são os personagens, dar características a eles. Também temos uma ambientação muito boa de cada cenário. Ou seja, tudo muito bacana né? Porém, temos uma mistura muito louca nisso tudo, onde algumas coisas são muito polidas e outras bem brutas e grosseiras.
De início parece até grosseiro mesmo, mas conforme jogamos, é possível notar que essa rugosidade é compensada pela quantidade porque temos uma variedade grande mesmo de monstros, chefes e cenários.
Inclusive a qualidade dos ambientes é muito alta. Tudo é bem detalhado e único, o que parece insano pela quantidade de cenários que tem o jogo. Destaco demais os fundos de tela que são se movem, conhecidos como “parallax scrolling” e que é algo que dá um charme muito especial aos jogos em pixel de arte.
Em um aspecto técnico, a paleta de cores utilizada em cada parte do jogo parece que não combina tão bem de modo uniforme, porém os saltos estéticos com outras colorações acabam se tornando valor pena ousadia.
Essa variação também afeta os chefes, onde alguns são detalhados, grandes e legais e outras são tipo um “bichão monstrão”, um esqueletão, etc., o que não diminui o jogo porque dá variação legal de experiência. Traz curiosidade para seguir em frente.
Uma coisa que é muito esquisita é a ousadia das imagens dos vendedores. Quando vamos conversar, aparece uma imagem desenhada gigantesca do vendedor, muito parecido com o que acontece na série Ys, porém essa arte é de uma técnica meio amadora. Acho que essa é a parte que mais me destoou do jogo.
Também é importante apontar que os menus são bem ruinzinhos também. Eles são ruins de navegar porque são muito padrões, lembrando até aquela coisa genérica que vemos em muito jogo de RPG maker. Ou seja, mais genérico do que o menu do Symphony of the Night. Ele não expressa relação diegética alguma com o jogo. Por outro lado, temos muitos itens dentro do jogo como um bom metroidvania deve ser. Por outro lado – mais uma vez –, alguns itens são apenas melhorias óbvias de anteriores.

A música do jogo é muito boa. Ela até tenta trazer uma aura Castlevania, mas não se resume a isso e tem personalidade própria. Particularmente, gosto de algumas ousadias, como o tipo de clima de desalento que ela tenta produzir nas cidades ou como traz um tom de aristocracia pomposa nos ambientes luxuosos.
O que chamou atenção na música também é a mistura de instrumentos musicais que é bem diversa. Chega o ponto de os timbres não terem muita uniformidade pelas músicas. É uma variação que valorizo por trazer um lance diferente, trazendo uma experiência musical bem diferente no bom sentido. É algo que traz um frescor original, mas que é comumente mal visto na indústria. O ponto é que ouvir cada música por si só é o que gera valor sobre ela.
Todos esses contrastes artísticos trazem experiências únicas que conseguem criar uma conexão com o desenvolvedor e o compositor das músicas. Em um mundo genérico de ir que estamos vivendo hoje, a imprecisão, o erro, conseguem trazer um contorno humano que nos afeta de modo significativo.

Veredito: Recomendado
Eu pensei em dar três galinhas, mas vai ser quatro porque a dimensão desse jogo feito prioritariamente por um fã é incrível. Considerem também que sou fã de Castlevania e posso estar enviesada por isso.
Vamos ver se deu para vocês sacarem a ideia da resenha. Chronicles of the Wolf é um jogo cheio de dicotomias. Ele tem uma variedade imensa de chefes, porém com alguns bem bobos. Há momentos de repetição e longa caminha entediantes, mas outros que a história avança de modo instigante. Caminhos que abrem de forma simples, mas outros que precisam de uma visão bem específica e complexa do cenário em conjunto com o reconhecimento do que cada item faz.
Apesar de estar apontando problemas no jogo, quero deixar claro que é por meio desses deslizes que o jogo acaba criando algo interessante e curioso. É notório que o desenvolvedor estava buscando fazer algo com tanta vontade que acabou exagerando em algumas coisas e deixando de lado outras.
Chronicles of the Wolf quer tanto ser Castlevania que acaba pecando em vários outros aspectos, e isso é o que faz dele legal especial. Ao jogar, a diversão aparece quando vemos várias ideias legais sendo apresentadas e demonstrando a que vieram, apesar do pouco refinamento. Tem horas que o jogo parece simplesmente esquisito, porém intrigante.
Por fim, em tempos em que tantos jogos seguem fórmulas prontas, Chronicles of the Wolf surpreende justamente por tentar demais. Ele é um jogo que demonstra um certo charme estético em que os erros são demonstrações de uma paixão. No caso, da paixão do criador pela série Castlevania. Não é perfeito, e talvez por isso mesmo seja tão memorável. Se você é fã da série ou quer uma experiência diferente, vale a pena se perder nas florestas escuras e pixeladas dessa França gótica e mitológica. Só vá preparado para errar, voltar e recomeçar, como nos velhos tempos.
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