Por Schneider Souza
O que acontece quando misturamos Robocop, Exterminador do Futuro, Ghost in The Shell e Akira, e adicionamos uma trilha sonora retro synthwave para criar um FPS visceral com pegada arcade? O resultado é Mullet Madjack, um jogo de tiro em primeira pessoa desenvolvido pela empresa brasileira Hammer 95. Com um estilo artístico que homenageia filmes e animes dos anos 80 e 90, o jogo se destaca como um dos melhores do ano. Sem exageros.
Gênero: FPS, Arcade, Ação
Lançamento: 15/05/2024
Plataformas: Steam
Tem idioma PT-BR: Sim
Desenvolvido por Hammer95
Publicado por Epopeia Games e Hammer95
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A história do jogo se passa em 2090, em um mundo cyberpunk dominado por robobilionários que controlam o planeta com suas máquinas de inteligência artificial, enquanto os humanos vivem como meros espectadores, consumindo entretenimento incessantemente. Você joga como Mullet Madjack, um justiceiro da cidade que, como outros justiceiros, é dependente do fluxo de dopamina para sobreviver. Ao aceitar a missão de resgatar uma influenciadora conhecida como Princesa de uma organização perigosa composta por robobilionários, a recompensa promete ser um par maneiríssimo de tênis de cano alto.
No entanto, a empresa que contrata Mullet transforma sua missão em mais um espetáculo de entretenimento, transmitindo ao vivo suas ações para que o público se divirta assistindo. A Streamer, que se comunica com você durante o jogo, impõe uma condição para tornar a situação ainda mais desafiadora: você deve entreter o público, e se a audiência cair, seu suprimento de dopamina será cortado. Assim, a batalha não é apenas para libertar a influenciadora, mas também para entreter o público e garantir sua sobrevivência.
Não é sobre ser rápido, é sobre ritmo.
O jogo funciona como um FPS alucinante, em estilo arcade, com fases procedurais curtíssimas (menos de um minuto), enfrentando um chefe ao final de cada bloco de 10 fases. Embora o jogo tenha uma aparência de rogue-lite, a experiência que ele proporciona se aproxima mais dos arcades pré-anos 2000, com muita velocidade e foco nas mecânicas. Morreu? Você reinicia o bloco de fases imediatamente, como se tivesse colocado uma ficha na máquina de arcade.
A dinâmica da ação é frenética, exigindo que você faça kills constantemente para ganhar tempo de vida, simultaneamente, tomando cuidado com o dano que acelera o decaimento do tempo. Além disso, o jogo recompensa o jogador mais experiente dando ainda mais tempo para certas formas de matar, como acertar na cabeça ou nas partes íntimas dos inimigos. Essa mecânica funciona muito bem, pois impulsiona você a tomar iniciativa da ação, mas faz você ousar um pouco mais em algumas ações.
Para enfrentar os inimigos, podemos usar um arsenal de armas e habilidades que são adquiridas em cada run. As armas incluem pistolas, submetralhadoras, espingardas, katanas e railguns, cada uma com seu próprio estilo de jogo, possibilitando uma variedade a cada run. Por exemplo, railguns são poderosas, mas de cadência lenta, enquanto katanas são rápidas, mas de curto alcance. Essa diferenciação entre fraqueza e potencial de cada arma faz com que tenhamos que ajustar o estilo de jogo.
Além das armas, temos o pulo, chute/empurrão, dash e finalização com itens, e cada ação desempenha um papel importante nas mecânicas de combate. O pulo pode ser usado tanto para escapar de armadilhas quanto para passar por cima dos inimigos. A combinação entre dash e chute é particularmente interessante: se você der um dash na direção do inimigo, é considerado como um ataque corpo a corpo, empurrando-o para algum ponto do cenário. Esse empurrão possibilita uma dinâmica de combate muito interessante e satisfatória em que você pode utilizar o cenário para matá-los.
Com as armas e mecânicas, enfrentamos inimigos diversos com habilidades distintas: alguns atiram, outros usam serras elétricas, espingardas ou escudos. Pode parecer o básico de sempre, mas a verdadeira graça do jogo não está nos inimigos em si, mas no brilhante level design.
Ao andar pelos corredores das fases, os inimigos estarão posicionados de diversas maneiras, e podemos usar o cenário para derrotá-los, em vez de depender apenas do tiro. Por exemplo, você encontrará robôs próximos a redes elétricas ou ventiladores gigantes, onde empurrá-los pode ser uma opção melhor e mais rápida do que atirar. Em outras situações, pode ser mais eficiente atirar em um barril explosivo para derrubar dois inimigos ao mesmo tempo, enquanto já planeja a próxima ação para o inimigo seguinte. Tudo isso acontece muito rápido, com pitadas de complexidade que apimentam a gameplay, exigindo que você pondere a todo momento o que fazer ou não.
Aí você já deve estar notando como cada mecânica precisa ser usada de forma estratégica conforme cenário e tipo de inimigo. Por exemplo, inicialmente pode-se adotar a estratégia de empurrar inimigos por eficiência e ser divertido chuta-los, porém repentinamente pode aparecer um robô com uma serra elétrica que faz com que você precise mudar sua estratégia, considerando que a abertura para o empurrão contra esse tipo de inimigo é menor e extremamente arriscada. Vale lembrar que tudo isso ocorre em uma fração de segundo e a resposta precisa ser instintiva, sem muito tempo para pensar.
Toda essa dinâmica, combinada com a constante urgência da contagem regressiva, pode dar a impressão de que o jogo é apenas sobre ser rápido. No entanto, conforme você joga, percebe que apenas ser rápido dificulta o controle do cenário e pode levar a mortes bobas. Portanto, o jogo mostra sua qualidade, à medida que você aprende a usar as habilidades e armas dentro do contexto do cenário, criando uma cadência rítmica de ações que transforma o gameplay em uma verdadeira dança. Violenta, mas uma dança.
Na prática, isso acontece assim: dash, tiro, anda, pula, tiro, empurra, dash, recarrega, vira, pula, empurra, empurra, dash e tiro. Esse tipo de sequenciamento acontece muito rápido, e é interessante o quão satisfatório é quando seu cérebro começa a responder impulsivamente a complexidade, permitindo que você controle os inimigos e o cenário em um fluxo de ações. Além de ter momentos satisfatório e dopaminérgicos (para ficar dentro do tema do jogo) quando consegue realizar o que planejou e, principalmente, quando consegue escapar da morte com uma finalização no último segundo para recuperar seu tempo de vida.
Absolute Cinema: Estética retrô e originalidade na arte de Mullet Madjack
A arte do jogo, como mencionado, é inspirada em animes dos anos 80 e 90. Contudo, não é uma simples cópia do passado. Os artistas da Hammer 95 criaram algo único, combinando elementos artísticos diversos e com nuances que permitem perceber as influências, mas com muita originalidade e personalidade. Dessa forma, eles conseguiram trazer o aspecto nostálgico com qualidade sem ser apelativo.
Logo na introdução, encontramos uma animação super estilizada, com diversas tomadas de câmera que explicam o estilo do jogo, mesmo com poucas palavras, transportando-nos imediatamente para o universo cyberpunk.
Durante o jogo, as armas do personagem e os movimentos que ele faz são muito bem desenhados e estilosos, sem parecerem genéricos como em muitos outros jogos de tiro. Tudo é vibrante e parece desenhado à mão.
O design de personagens em Mullet Madjack é também chamativo. Mullet é troncudo e “badass,” como muitos dos personagens dos filmes protagonizados por Sylvester Stallone, Arnold Schwarzenegger, Chuck Norris, entre outros. Essa fusão de influências também cria um personagem com expressões exageradas e falas marcantes, reminiscentes desses filmes. Há dois aspectos brilhantes nisso. Primeiro, o jogo consegue usar essas frases de efeito sem soar cringe, um mérito notável, pois é fácil exagerar nesse tipo de diálogo. Segundo, você pode adquirir um “upgrade” que transforma o protagonista em um “badass” silencioso ou um falastrão marrento. É sério, isto é um upgrade no jogo e, sinceramente, apesar de não trazer nenhum benefício de combate, eu fiquei compelido diversas vezes a pegar só para ouvir as frases marcantes e aumentar a imersão no jogo. Sabe como é né, não é sobre eficiência, é sobre estilo.
Outros personagens também se destacam. A Streamer, por exemplo, além de falas niilistas e sarcástico, possui expressões exageradas que combinam perfeitamente com as performances extravagantes dos streamers.
O roteiro do jogo merece um destaque especial. Construído sobre os exageros do universo retrofuturista, ele aborda temas atuais, como a obsessão por dopamina, questões relacionadas à IA, vida nas redes sociais e a glorificação da violência. Todos esses elementos, combinados com uma dublagem de alto nível e muitas referências “edgy,” resultam em uma narrativa ácida e sarcástica que nos faz rir, mas também nos leva a refletir sobre as críticas sutis que são feitas. Vale mencionar a dublagem em português do Brasil, com vozes conhecidas de animes como Yu Yu Hakusho, Pokémon, Cavaleiros do Zodíaco e Cowboy Bebop, que traz um toque nostálgico adicional para quem cresceu assistindo a esses clássicos. A localização também é excelente, com frases que fazem sentido no contexto brasileiro, como “escreveu não leu, o pirulito comeu,” “esse viajou na maionese,” e “o gerente tá maluco,” entre outras, que certamente arrancarão risadas, até mesmo dos jogadores mais sérios.
Sobre o áudio do jogo, posso dizer que é de muita qualidade. As músicas do jogo são um synthwave muito bem produzido, que se encaixa perfeitamente na performance do combate. E destaco aqui as músicas na sequência final do jogo que são muito empolgantes e emotivas. Outras legais são a da abertura do jogo que é mais suave e combina com a animação da tela de menu inicial, evocando a sensação de dirigir por uma estrada vazia, curtindo a paisagem; e a música que toca ao completar um cenário que é contagiante e para cima, criando um momento “let’s dance” muito envolvente e que contrasta de modo muito legal com o clima do jogo.
No aspecto sonoro, há um pequeno problema: os efeitos sonoros às vezes são tão altos que dificultam ouvir a dublagem e a música. Precisei ajustar o áudio várias vezes para poder apreciar a música ou do jogo, que frequentemente era abafada pelo barulho dos tiros e explosões.
Veredito: Recomendado
A Hammer 95 acerta em cheio com este lançamento, merecendo todos os elogios. A cada momento no jogo, você se sente compelido a tentar novamente, e isso flui de maneira natural e envolvente, graças à jogabilidade rápida e responsiva. Pode parecer bom demais para ser verdade, mas o jogo entrega uma experiência realmente única. Esse é um jogo que eu recomendo fortemente, a não ser que você tenha cinetose ou não goste de jogos de tiro. Mas, mesmo assim, para esses casos, acho que vale a pena tentar diminuir a dificuldade e usar algumas opções de acessibilidade para experimentar esse jogo, porque realmente vale a pena.
Mullet Madjack é um jogo incrível que oferece uma experiência arcade frenética em um universo cyberpunk. É um jogo que, em poucos minutos, conquista pela arte e pelos conceitos apresentados. Inicialmente, a história te motiva a jogar e aos poucos você vai sendo seduzido pela experiência até o momento que você olha para os lados e se dá conta que acessou o modo infinito para não precisar parar de jogar. A busca pela run perfeita e conseguir a run mais longa e com a maior pontuação torna o jogo ainda mais viciante.
Não tenho outro veredito além de absurdamente recomendadíssimo. Ouso dizer que, pelo menos para mim, este é um dos melhores jogos do ano.
Jogue se você curte: FPS rápidos, retrowave, humor niilista e animes.
Muito obrigado ao pessoal da Hammer95 pelas chaves! Vocês são demais! ♥
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