Mizuchi, desenvolvido pela Aikasa Collective, é uma Visual Novel do gênero inspirada na lenda chinesa da Serpente Branca que nos mostra como a reapropriação e subversão dos mitos podem dar espaço para ressignificar nossa noção de amor.
Antes de continuar, gostaria de comentar que é ironicamente engraçado falar sobre amor com uma cobra pouco tempo depois de fazer uma resenha do Indiana Jones. Do ódio para o amor às cobras. Risos.
A história de Mizuchi acompanha Linh (nome que pode ser alterado caso queira), uma jovem de família empobrecida que, acusada injustamente de um crime, é deixada indefesa no fundo de um poço infestado de cobras. No entanto – para resumir e evitar muitos spoilers -, Linh aparece viva em uma casa, na qual encontra Ai, uma mulher meio cobra (similar à figura da Lâmia da cultura ocidental) e Jinhai, uma monja. Em resumo, Mizuchi é uma história sobre a relação dessas três personagens que se destaca por passar por diversos temas: identidade, felicidade, humanidade e liberdade.
Gênero: Visual Novel
Lançamento: 29/01/2025
Plataformas: PC, PS4, PS5, Switch
Tem idioma PT-BR: Não
Desenvolvido por: Aikasa Collective
Publicado por Viridian Software e Soft Source

Da onde veio essa história de cobra branca?
Bem, uma história sobre uma mulher serpente logicamente veio de um mito: a lenda chinesa da Serpente Branca.
Essa lenda conta a história de Bai Suzhen, uma serpente que, após mil anos de cultivo espiritual, ganha a habilidade de assumir forma humana. Com essa nova identidade, ela se apaixona por Xu Xian (ou Xu Xuan, dependendo da versão), um jovem humano, e se casa com ele. Mas, Fahai, um monge budista, considera essa relação uma afronta às leis da natureza. Determinado a separar os dois, ele revela a verdadeira identidade de Bai Suzhen para Xu Xian e faz de tudo para afastá-los.
Essa história possui lastros que indicam ter surgido por volta da Dinastia Tang, portanto, em torno dos anos de 618-907 d.C., e seu narrativa coloca um embate clássico entre amor e tradição. Em resumo, Bai Suzhen lutará para proteger seu casamento, enfrentando Fahai e chegando ao extremo de inundar um templo para resgatar Xu Xian, que havia sido capturado. No fim, o monge aprisiona Bai Suzhen em uma pagoda, separando-a do homem que ama. Um desfecho trágico que carrega um peso emocional enorme, explorando temas como sacrifício, preconceito e a luta contra convenções sociais.

Só por essa base a gente pode até pensar que a história poderia ser um típico anime de lutas com poderes especiais, porém, Mizuchi é diferente disso. A história subverte o mito original e implicitamente deixa uma crítica a masculinidade, que se baseia tanto nas expressões de poder para significar o mundo. O confronto entre amor e tradição persiste, porém, a narrativa de Mizuchi vai para outros caminhos e outras sensibilidades. Isso não quer dizer que seja algo simples e sem suas próprias dificuldades, mas que os contornos podem ser diferentes, principalmente quando os sujeitos se esforçam por expressões afetivas mais sinceras, portanto, menos cínicas e orgulhosas.
Como vamos nos relacionar com a serpente?
É um Visual Novel Yuri, então vamos partir do ponto de que estamos aqui pelo romance, certo?
Dito isso, o jogo subverte o mito e cria uma outra narrativa, focando na relação de convivência das personagens. Isso dá um toque quase cozy. Quase porque há momentos de drama e tensão, apesar da maioria ser a construção das relações no cotidiano comum e como as personagens descobrem mundos diferentes por meio das outras.
A base da interação das personagens é muito interessante. No começo, por exemplo, Lihn demonstra uma devoção divina a Ai, pois a vê como um ser divino, um tipo de deusa. Para uma jovem aldeã, que conhece pouco do mundo fora seu contexto de vilarejo, estar em contato com uma deusa é algo muito impactante para Lihn, trazendo para ela um misto de admiração com medo. E isso é tratado com sutileza interessante no jogo porque possibilita vermos uma história em que essas personagens vão, aos poucos, quebrando essa separação entre divino e humano, aproximando-se em diversos níveis.

As origens e diferenças das personagens, portanto, são base para construir a relação que parte de algo inimaginável, pois Ai ainda é um personagem fantástico, meio serpente, meio humana, meio sereia também. Aliás, a própria face de Ai mistura beleza com o macabro de um modo sutil que brinca com nossa relação entre desejo e medo.
Do outro lado, a outra personagem que temos é a monja Jinhai que tem uma personalidade mais séria e até professoral. Ela demonstra maturidade e é muito fácil de lidar na história. Digamos que ela seja o ponto seguro da história, levando a rotas de romance também, mas com outra dinâmica. Confesso que achei menos misteriosa do que com que Ai, porém ainda satisfatória também.
O que me agradou nessa construção de história são as sutilezas emotivas que surgem a partir do cotidiano. São momentos criados que, apesar de simples, dão espaço para que se desenvolva uma alteridade entre as personagens. Nesse sentido, por mais diferentes que sejam, elas constroem formas de se entenderem, criando, assim, compreensão e afeto em momentos reconfortantes. No entanto, logicamente, isso exige o esforço de ambas, e é um processo que também acompanhamos nessa história.
O jogo possui 6 finais que você irá se conduzir conforme suas escolhas, normalmente, com duas opções em que te darão pontos com uma personagem ou outra. Simples assim. Nisso, devo apontar um problema que é a passagem rápida de texto já lido, que nesse jogo não é tão rápida e torna o encontro de outras rotas um pouco mais demorado do que devia.
Coesão entre arte e narrativa
Já ouvi muita gente falando que em uma Visual Novel o que importa é a história. De fato, o texto em si é o principal, porém, os outros meios, como imagem e som podem potencializar a narrativa. Nesses pontos, Mizuchi tem qualidades e problemas.
Primeiramente, a falta de dublagem é algo compreensível pelo escopo e também por ser um jogo Indie, mas é difícil não notar o quanto isso aumentaria o entendimento daquilo que é passado nos diálogos.
A arte possui muita qualidade porque possuem expressões das personagens são bem bonitas. Lihn é possuí expressões muito fofas, Ai possuí muitas artes que caracterizam suas transformações e Jinhai é muito carismática. O problema é uma sensação de que faltou algo. Exemplo, Jinhai tem uma imagem com a mão direita suspensa que se repete tanto que eu fiquei pensando “seu braço não cansa não?”.
Além disso, alguns personagens de menor importância são representados apenas com uma silhueta sombria. Isso dificulta muito entender as expressões dos momentos e até mesmo nos conectar com a cena de modo mais significativo. Fica sempre a sensação de que poderia ao menos ser uma arte genérica que já adicionaria muito à aquela cena.

Por outro lado, os cenários são bem feitos. O jardim, por exemplo, é bem bonito de se ver. Por fim a música é muito legal. Existe o tradicional piano de Visual Novel, mas a adição de elementos musicais de tradição chinesa dá um toque extra a muitas cenas. A música é realmente boa e acompanha bem as cenas.
Veredito: Dê Uma Chance
Mizuchi é uma Visual Novel que se destaca não apenas pela forma como ressignifica um mito clássico, mas também por sua abordagem delicada e emocional ao desenvolvimento de suas personagens. Há alguns conflitos externos e reviravoltas, mas o foco da narrativa fica no cotidiano das personagens. Isso faz com que o forte da história está no desenvolvimento da intimidade das relações e na maneira como cada personagem aprende, pouco a pouco, a se conectarem entre si.
Ainda que tenha algumas limitações técnicas, como a falta de dublagem e a repetição de algumas artes, esses detalhes não comprometem a experiência geral. A ambientação visual, o uso de elementos culturais e a trilha sonora cuidadosamente elaborada fazem com que Mizuchi ofereça momentos envolventes e únicos, com camadas emocionais profundas.
Mizuchi é Visual Novel do gênero Yuri que nos traz um romance entre uma aldeã e uma mulher meio cobra. A narrativa é boa e utiliza essa premissa inusitada para nos faz pensar sobre várias questões como identidade, felicidade e pertencimento. Em resumo, Mizuchi é uma Visual Novel que vale a pena ser lida.
Jogue se você curte: Cultura, Mito, Romance, Yuri, Cobras, Visual Novel,
Entenda o sistema de avaliação do Galinha Viajante!
Leia nossos outros reviews!